quarta-feira, 13 de março de 2013

Joana da Gama



Joana da Gama - Viana do Alentejo, 1520?-. Évora, 1586)

( Não existe foto da personagem)

Joanna da Gama. Naceo em a Villa de Viana do Alentejo de Pays nobres quais erão Manoel Casco, e Filippa da Gama. Como se visse livre do vinculo conjugal por morte de seu marido com quem fora casada anno e meyo anhelando a estado mais perfeito fundou na cidade de Evora hum Recolhimento intitulado do Salvador do Mundo onde recolhida com algumas companheiras de que erão as principaes Catherina de Aguiar, e Brites Cordeira observavão a Regra de S. Francisco sendo seus Directores os filhos d'este grande Patriarcha. Ao tempo, que esperava da benevolencia do Cardial D. Henrique estabilidade para o novo edificio foy demolido por sua ordem para mayor extensão do Collegio dos Padres Jesuitas ordenando às Recolhidas fossem viver em casa de seus parentes até lhe fundar outra habitação. Com excessivo sentimento deixou Joanna da Gama o lugar, que o seu espirito elegera para se dedicar a Deos, fallecendo a 21 de Setembro de 1586. Jaz sepultada na Igreja da Misericordia de Evora em sepultura propria. Compoz.


São poucos os historiadores que se dignam falar da literatura Joana da Gama, «por consideram uma escritora menor.» No entanto a sua obra, muito pessoal, surge num período decisivo no que diz respeito à promoção feminina em Portugal, porque nos Cancioneiros da poesia medieval não há indício nenhum da existência de mulheres poetizas, e o amor foi um tema de predilecção.

No fim do século XV as coisas vão mudando e no primeiro quarto do século XVI, modificaram-se as mentalidades da nobreza e da plebe mais instruída. As senhoras da nobreza, sobretudo as que frequentam a corte progridem, em torno das rainhas D. Leonor, mulher de D. João II, de D. Maria, esposa de D. Manuel I, e de sua filha mais nova Infanta D. Maria de Portugal- duquesa de Viseu. E, um grupo de senhoras instruídas da nova geração que pretendem ser iguais aos homens, e tratam de adquirir uma cultura humanista, chegando a estudar literatura línguas e artes, e algumas tentam viver da sua pena.

Entretanto o grande impulsionador da cultura portuguesa, Garcia de Resende (1516), não se sabendo se na cidade Lisboa ou Évora, nomeia entre cerca de 300 poetas de um Cancioneiro vinte cinco damas, salvo erro.


Joana da Gama, não era uma dama da corte nem uma mulher muito culta. Provavelmente viveu quase toda a sua vida na "província", em Évora. Mas teve a sorte de gozar de uma independência excepcional. O facto de ter vivido em Évora deu-lhe a incidência de uma grande formação. Évora deixara de ser uma Cidade provinciana, sendo muitas vezes visitada por gente da corte: Infanta D. Maria de Portugal; Cardeal-Infante D. Henrique que ali residiu depois de ter sido nomeado arcebispo, apesar de se comportar como um mecenas, favorecendo a literatura e as artes.

Uma das informações sobre a escritora é, obviamente um testamento assinado por Joana da Gama, conservado no Arquivo da Misericórdia de Évora. Tito de Noronha, que editou a obra de Joana da Gama em 1872, indica um manuscrito conservado na Biblioteca de Évora onde é qualificada como solteira, embora a aprovação do testamento diga que é viúva. Talvez Tito de Noronha não tenha visto ele próprio os documentos citados, e tenha utilizado uma transcrição incompleta. Não sendo assim, ele teria falado com certeza duma disposição particular do testamento, cujo original se perdeu.

O texto que se encontra no Arquivo do Distrito de Évora é uma cópia, com letra muito cuidada e data de 14 de Abril de 1597. Abre com esta declaração:

Em nome de Deos Amen. Saibão os que esta cedola e testamento, e ultima vontade virem como eu Joana da Gama beata por não fazer profissão e estar sempre na posse de minha fazenda posso testar della e por não saber a çerteza da hora em que nosso Sñr me querera levar desta vida prezente sendo moradora nesta çidade de Evora estando sãa e em meu perfeito juizo e entendimento temendo a morte faço e ordeno esta minha çedola e testamento nesta maneira seguinte.

A seguir, a testadora organiza as próprias exéquias, indica os legados que destina aos seus criados, enumera as herdades que possui e as rendas delas e designa como herdeira universal a sua sobrinha Isabel da Gama. Também funda uma notável instituição que se tornará efectiva depois da morte de Isabel: ordena que se pague uma renda vitalícia a três merceeiras (de mercê), mulheres de 40 a 50 anos, elegidas pela sua piedade e bons costumes pelos irmãos da Misericórdia – que também serão pagos por tal missão – a obrigação das merceeiras consiste em ouvir uma missa mensal em que rezarão pela alma da sua benfeitora. No fim, ela louva a amizade da sua sobrinha Isabel, encarregada de cumprir as suas últimas vontades.
Joana da Gama morreu a 21 de Setembro. A sobrinha sobreviveu-lhe onze anos. Só então a Santa Casa da Misericórdia, depois de ter deliberado, aceitou o legado e o cargo de organizar as Mercearias, e mandou copiar o testamento num livro em que cada merceeira devia assinar o seu compromisso. A instituição funcionou ao longo de mais de três séculos: a última merceeira assinou a 5 de Junho de 1908. Quer dizer que a fortuna de Joana da Gama foi importante, e gerida com sabedoria. 

O testamento não diz nada da filiação, da idade, das actividades literárias da testadora. Morta em 1586, deverá ter nascido por volta de 1520. É curioso que ela não fale do seu marido. Mas, segundo Barbosa, só foi casada ano e meio. Designa-se a si própria como "beata". O que é certo, é que vive em casa própria, não tem filhos, administra pessoalmente a sua fazenda.

O documento, apesar da linguagem convencional e das fórmulas oficiais, revela uma personalidade muito firme, que já se nota na declaração inicial. Se a devoção da "beata" não inspira a menor dúvida, ela manifesta uma certa ostentação, perceptível nos detalhes das exéquias, em que irão, por exemplo, doze pobres com tochas acesas. Joana da Gama é uma senhora habituada a ser obedecida. O seu modelo feminino é definido pelas virtudes de paciência, obediência e submissão. Barbosa declara que é filha de pais nobres.

Possivelmente até pertencer à família do navegador Vasco da Gama, natural do Alentejo. Tal origem familiar poderia explicar que tenha recebido uma boa educação, mas ignora-se tudo da sua formação intelectual.

A sua obra dá alguns indícios sobre a sua formação, em que a música e a leitura desempenharam um papel importante. Essa obra teve pelo menos duas edições no século XVI, ambas anónimas, ainda que Barbosa Machado a atribua formalmente a Joana da Gama. Mas nenhuma das duas edições conhecidas traz autor, lugar, editor, ou data.

Joana da Gama não podia ignorar a animação da cidade, ouvia falar dos grandes personagens, dos artistas, dos escritores, dos estudantes e professores que frequentavam a Universidade, fundada em 1558 e os jesuítas assentes em Évora, a inquisição terá considerado os poemas Joana da Gama um divertimento indigno de ser impresso ao lado de reflexões sérias, ou possivelmente registados com nome de homem. Na realidade são poucos os versos de sua autoria que nos chegaram ao nosso tempo.



Os temas dos aforismos são muito diversos. Deve ser notada a importância das rúbricas «Amor», «Discriçam», «Molher», «Pessoas diversas», «Tempo». A autora manifesta uma liberdade de tom rara na época. Quanto ao estilo, que neste género de escrita impõe brevidade e concisão, revela Joana da Gama um real talento de expressão. Ao longo da obra, o leitor pode ver que a pessoa que se dissimula atrás do nome de «freira» e pretende não saber mais que o ABC conhece porém alguns princípios da arte de escrever: revela uma predilecção pelos anacolutos, cortes sintácticos muito frequentes no discurso oral, mas que utiliza conscientemente e com acerto; tem o sentido do ritmo, das fórmulas proverbiais muitas vezes ornadas de rimas, expressa o seu pensamento habilmente, sabe renovar quando necessário um lugar-comum com uma reflexão que o transforma. Em suma, embora aquela mulher não faça alarde duma cultura humanista, como os seus contemporâneos masculinos ou as senhoras da roda da Infanta D. Maria, ela sabe aproveitar com inteligência uma instrução que, a acreditar no que diz, foi apenas sumária. De maneira espontânea ou não, escolhe as técnicas que convêm à sua sensibilidade, e os seus aforismos são muitas vezes cheios de poesia.

Dor de viver, melancolia, fugir do tempo: eis os seus temas favoritos, em que não se inclui o amor, que percorre a poesia lírica dos contemporâneos. A natureza é quase ausente, salvo num delicado vilancete. Os diálogos, em oito estrofes de oito versos, são muito interessantes, não apenas porque se inserem na tradição dos debates poéticos — as tenções medievais ou os desafios dos improvisadores do paço —, mas sobretudo porque põem em cena abstracções personificadas («Velhice», «Razão», «Sentimento», «Razão»), como no teatro medieval ou no de Gil Vicente.



Em conclusão, as tentativas literárias de Joana da Gama revelam uma sensibilidade deliberadamente feminina, que se afirma à margem das vias e das modas dirigidas pelos homens do seu tempo. Se a ausência de mestres a levou a cometer alguns erros de versificação, também lhe permitiu do mesmo modo conservar uma inspiração fresca e sincera. Uma voz modesta, sem dúvida, mas que merece ser ouvida.