Bancarrotas Portuguesas
Oficialmente
a 1ª bancarrota ocorreu em 1560 durante a regência da viúva de D. João III e a
última, no final da monarquia, acabou com uma reestruturação da dívida soberana
cuja negociação durou 10 anos. Na realidade, podem-se contabilizar 8: 1560,
1605, 1834, 1837, 1840, 1846, 1852 e 1892, ou seja, a maioria já no século XIX.
A parte final da dinastia de Bragança
acumularia, entre 1828 e 1892, mais de duas décadas de situações de default, um
recorde na história económica portuguesa. No entanto, o campeão das bancarrotas
foi Espanha, com 12 episódios, concentrados na dinastia filipina e durante o
século XIX.
Dois outros momentos que fazem parte da
história das bancarrotas de Portugal, apesar de não estarem catalogados como
tal, são o período de hiperinflação no reinado do fundador da dinastia de Avis
no final do século XIV e o aviso de bancarrota em 1544 através da feitoria
portuguesa em Antuérpia ainda no reinado de D. João II.
1384-1422: Mestre de
Aviz, o campeão da hiperinflação
Um real de prata valia 19 vezes menos do
que no tempo do reinado do seu meio-irmão D. Fernando, o último monarca da
dinastia afonsina, e a inflação era galopante, tendo os preços quintuplicado.
A
bancarrota seria certa se D. João I e os seus conselheiros não tivessem
decidido, desde as reuniões em Torres Vedras em 1412, desencadear um processo
de projecção externa cuja primeira operação viria a ser a conquista de Ceuta,
em Marrocos, em 1415. Seguiu-se depois o intensificar do corso atlântico e
finalmente a expansão marítima – os Descobrimentos.
Um
balanço daquela época de economia de guerra e de crise até 1422: a
desvalorização do marco de prata foi da ordem dos 100.000% face ao valor que
tinha em 1383.
1544: A quase
bancarrota na Flandres
As dívidas na feitoria de Antuérpia, na
Flandres, somavam 3 milhões de cruzados. D. João III salvou-se de ser o
primeiro monarca português a decretar a falência do Estado. Os mercados
financeiros europeus deram o benefício da dúvida pois o comércio das
especiarias que vinha de além-mar era, ainda, atraente. Entretanto, a feitoria
na Flandres seria fechada em 1549 e o rei morreria em 1557. Os problemas seriam
herdados pela viúva, Catarina da Áustria.
1560: A herança que a
viúva recebeu: o 1º default oficial
Durante a regência caiu-lhe em cima a
bomba da dívida astronómica. O neto Sebastião ainda era demasiado novo e
coube-lhe a ela gerir a emergência da decadência do grande império manuelino.
Em 1559 ainda foi possível levantar 900 mil cruzados como adiantamento na
Flandres o que acalmou os credores da dívida portuguesa. Mas no ano seguinte já
não havia volta a dar. Catarina resolveu "imitar" o sobrinho, Filipe
II, que inaugurara em 1557, no país vizinho, a moda das bancarrotas ibéricas. O
alvará de 2 de Fevereiro de 1560 representa o 1º default oficial português.
Mandava cessar o pagamento de juros a cargo da Casa da Índia, proibia a
colocação de novos empréstimos.
Na
ponta final da dinastia de Aviz, nos reinados de D. Sebastião e do cardeal
Henrique, as obrigações do governo português já se negociavam a 45 e até a 40%
do seu valor facial. Pela época, as grandes casas financeiras alemãs e
italianas que estiveram envolvidas no que parecia ser um excelentíssimo
negócio, o da pimenta, foram varridas por uma vaga de falências.
1605: o default com
sabor castelhano
O motor da venda de títulos pela Fazenda Real -
que se tornara uma rotina desde os tempos de D. Manuel - começou a gripar pelos
anos de 1600. A pimenta deixara de ser monopólio dos portugueses com a
desagregação do império português no período filipino de monarquia dual entre
Espanha e Portugal e sobretudo depois do início da ofensiva dos holandeses no
Índico.
Foi
neste contexto que ocorreu a bancarrota de 1605 - uma peripécia menos conhecida
e raramente referida.
1828-1834: A factura do
"miguelismo"
Com a morte de D. João VI em 1826, abre-se uma
crise de sucessão que desaguou numa guerra civil entre liberais
constitucionalistas e conservadores miguelistas que se agrupavam em torno da
viúva Carlota Joaquina e do filho Miguel.
No
meio da guerra civil, D. Miguel negociou em 1832 um empréstimo de 40 milhões de
francos junto dos banqueiros parisienses Outrequin & Jauge, com um juro de
5% com uma maturidade a 32 anos. Apesar dos riscos envolvidos, os banqueiros
franceses conseguiram que estes títulos fossem admitidos para cotação na Bolsa
de Paris, onde, aliás, se mantiveram até 1837. Os credores internacionais que
emprestaram ao governo de D. Miguel sabiam que estavam correr um grande risco
pois estavam a apostar num governo com a possibilidade de cair.
Os juros e a amortização ainda foram pagas
até Setembro de 1833. Depois, derrotado Miguel, o empréstimo viria a ser
renegado pelos liberais e depois pelo governo de Dona Maria da Glória, sobrinha
de Miguel. O empréstimo não foi considerado legítimo. Eram contas do tio que,
entretanto, fugira para a Alemanha. Que o fossem cobrar à Baviera, onde ele
morreria.
O assunto passou, assim, a contencioso. Os
credores franceses organizaram-se em comité em 1840 e várias manobras
diplomáticas continuaram pelas décadas seguintes a ver se conseguiam reaver
pelo menos 2,5 milhões de francos, cujos papéis comprovativos consta que se
encontravam no Tesouro em Lisboa.
1837 A 1852: O calvário
de incumprimentos no reinado de Maria da Glória
O reinado da filha de D. Pedro IV (o
imperador Pedro I do Brasil), a jovem Maria da Glória, coroada D. Maria II
(1837-1853), juntou vários eventos de suspensão de pagamentos, o primeiro logo
em 1837, que geraram o período mais longo de defaults na história portuguesa.
Em
1852, decreta-se a consolidação da dívida interna e externa, o que gerou a
revolta sobretudo dos credores ingleses, até que se celebrou um convénio em
Dezembro de 1855, que no dizer do historiador Rui Pedro Esteves, da
Universidade de Oxford, surpreenderia hoje pelos credores "terem aceitado
a consolidação em troca de contrapartidas bastante modestas".
Estas bancarrotas ocorreram num período de
quase 20 anos de golpes e contra-golpes e de um movimento popular, a Revolta da
Patuleia, mais conhecida por Maria da Fonte.
A
situação só acalmou, de facto, com a regência do viúvo de Maria da Glória, o
rei-consorte Fernando II, da poderosa casa europeia de Saxe-Coburgo e Gota. O
país adopta o padrão ouro que permitia estabelecer uma relação com a libra
esterlina, a moeda chave do comércio internacional e das relações comerciais
com Portugal, e chega a acordo em Londres nos finais de 1855, com o Council of
Portuguese Bondholders (detentores de títulos portugueses), liderado pelo
banqueiro Richard Thornton.
1892-1902: A longa
re-estruturação da dívida soberana no final da Monarquia
A
famosa revista inglesa The Economist andava a avisar desde 1880: "Os
mercados monetários da Europa estão a ficar cansados, e não sem razão, da
constante solicitação por Portugal de novos empréstimos", escrevia em
27/11/1880. E em 1885: "No próprio interesse de Portugal era preferível
que as suas facilidades de endividamento fossem, agora, restringidas".
Rebentou então uma crise financeira
mundial, com o epicentro na City londrina, iniciada em 1890 com a falência do
banco Baring Brothers que contagiaria Portugal por vários canais, incluindo via
Brasil. O próprio Baring era o principal parceiro do governo português na City
e, na aflição, reembolsou-se em 1 milhão de libras em Lisboa, o que levou a uma
redução significativa das reservas em ouro do Banco de Portugal. Em 1888, no Fenn's
Compendium, Portugal já tinha sido considerado como um país de alto risco. Com
a contracção dos mercados de capitais internacionais, durante a crise
financeira mundial de 1890-1893, o ecossistema financista português desabou.
Juntou-se o esboroamento do padrão-ouro que havia sido adoptado em 1854.
Finalmente, viveu-se uma crise política aguda que misturaria o efeito dos
problemas geopolíticos em África - com o ultimatum sobre o mapa cor-de-rosa por
parte da Grã-Bretanha - com a ascensão do movimento republicano (revolta no
Porto em 31 de Janeiro de 1891) e das lutas dentro dos partidos monárquicos.
A balança de pagamentos acaba por ter um défice
gigante em 1891, depois de um período em que acumulara excedentes. A dívida
total (externa e interna) que andava pelos 24 milhões de libras em 1858
disparou para 127 mil milhões de libras. Apesar da pobreza do país, era a 2ª
maior da Europa per capita, depois da França.
A revista inglesa, de novo, escrevia:
"Tem sido evidente de há bastante tempo que o país estava a viver acima
dos seus meios. Mais tarde ou mais cedo era inevitável que acabasse em
bancarrota - e foi à bancarrota que Portugal agora chegou" (6/2/1892). E
acrescentava: "É inevitável uma redução significativa do encargo com a dívida,
que absorve quase metade da receita total. Os detentores da dívida portuguesa
têm de consentir num abatimento dos seus direitos, por força das
circunstâncias". Os ingleses aconselhavam mesmo: "Se Portugal abordar
os seus credores leal e
francamente
nestas linhas ser-lhe-á relativamente fácil efectuar um acordo razoável com
eles".
A solução acabaria por ser imposta por
decreto. Os credores externos não aceitaram o curso forçado do papel-moeda
emitido pelo Banco de Portugal. O default parcial acabaria por acontecer em
Junho de 1892. O governo teve de suspender parcialmente os encargos altos da
dívida. Em Paris, os credores ficaram surpresos com a redução das taxas de juro
em 66%. O objectivo último acabaria por ser a reestruturação e reescalonamento
dos pagamentos.
Julgava-se
que no final do convénio de 1902 com os credores se obteriam novos empréstimos
- mas isso não aconteceu. A dívida seria convertida num novo empréstimo
amortizável a 99 anos, até 2001.
O efeito de afastamento dos mercados
financeiros internacionais não seria muito prejudicial para a economia real,
que dependia sobretudo do comércio com o Brasil, as colónias em África e o
Reino Unido. Os principais credores financeiros da dívida estavam em Paris e em
Berlim. A economia portuguesa acabaria por recuperar relativamente bem.