D.
Francisca de Aragão.
D. Francisca de Aragão, (1525 – 1615) dama
preferida da rainha D. Catarina da Áustria, mulher do rei D. João III, cheia de
devoção, mas muito atormentada pelas práticas da inquisição encantara-se com o
espirito, e vividez de D. Francisca. A dama que veio de moça do Algarve para o
paço da Ribeira com outras jovens da sua família.
Francisca, filha de Nuno Rodrigues
Barreto, senhor da Quarteira e de D. Leonor Milan, filha de Afonso, mestre de
calatrava e filho bastardo de D. João II de Aragão. Gente com sangue real, que
se veio a justificar mais tarde pelo tratamento de sobrinha, por parte de d.
Filipe III de Castela.
Francisca
6º filha entre sete irmãos, e sobrinha do famoso governador da Índia Francisco
Barreto entre 1555-1558. – Segundo diz os investigadores contemporâneos.
D. Nuno Rodrigues Barreto, alcaide-mor, de
Faro e Loulé, fronteiro-mor, vedor da fazenda de toda a província algarvia.
Francisca,
uma das mais lindas mulheres, entre as celebradas formusuras da corte, musa
inspiradora de vários poetas, entre eles, Luiz Vaz de Camões, Andrade Caminha,
do seu amante D. Manuel de Portugal, e de João Borja, com quem veio a casar
pelo seu prestígio de embaixador em Portugal, homem com grandes serviços
prestados a Castela, que veio a ser reconhecido por mérito, e a fez ser a
primeira condessa de Ficalho.
E
pelo que se diz, sempre foi uma mulher atiçada. «Da união com D. Juan de Borja
e Castro ( Bellpuig , 1533 - El Escorial , 3 de Setembro de 1606 ). tiveram
dez filhos, todos ilustres, com os seus nomes e brilho no seu brasão
familiar.»
D. Juan esteve ao serviço de Filipe II de
Espanha. Veio para Portugal em 1569, como embaixador para mediar o casamento de
D. Sebastião com Margarida de Valois (que nunca aconteceu) e para tentar
dissuadir o rei Português de empreender sua planejada expedição África.
-
Podemos aperceber que as senhoras da nobreza, inteligentes, cultas e atraentes,
aproveitaram todas as oportunidades da vida nas suas épocas, e D. Francisca
viveu na mais lustrosa da história de Portugal. A grande certeza está em D.
Francisca de Aragão aparecer solteira ao lado de D. Catarina entre os grandes
vultos da corte, sem que qualquer contexto tradicional de ser a mais cortejada das
damas a destroçar corações.
- Titulo extinguido em 1692 com a morte do
bisneto de D. Francisca de Aragão, sem descendência do 4.º conde.D. Carlos de
Aragón Borja Alagón y Gurrea (1634 – 1692), 9.º duque de Villahermosa e 9.º
conde de Sástago (títulos espanhóis)
D. Manuel de Portugal viveu com D.
Francisca uma romântica exaltação de homem apaixonado, como nunca tinha
acontecido com as suas três esposas. Segundo Dizem as cronicas do conde de
Sabugosa: «estonteou-se pela sua figura num lugar à parte, fora de todas as
outras suas amantes.»
Os historiadores recordam-na como amante
de D. Manuel I, mulher muito assediada, vindo a ser esposa de D. Juan de Borja,
e mãe de homens famosos na história: príncipe de Esquilache, o duque de Villahermosa,
e D. Fernando de Borja y Aragón, comendador da Ordem de Montesa.
Menciona-se na sua biografia as suas
inclinações poéticas, e que se dedicara a fazer versos e organizar concertos e
peças teatrais.
Manuel
de Faria e Sousa, veio indicar que pelas escritas por si inspeccionadas, uma
epístola em tercetos é dirigida ao rei D. Manuel I, que tem nela a autoria mais
provável. Que faz passar um conteúdo de temáticos da voz masculina com razões
muito convincentes, mas mais se parece com o género feminino como tantos outros
cancioneiros que escreveu como anónima.
FRANCISCA DE ARAGÓN
Pues aquel gran amor
que me tubiste
holgaste de mudar en
otra parte,
yo soi contenta de lo
qu’escogiste.
No sabrá ella como yo
enojarte;
siempre te tractará de
una manera
que no sé si será señal
de amarte.
Será más estimado, que
no fuera
el espíritu tuyo y
alabado
más que quando de ti
amada hera.
Mas no por essos bienes
que ás hallado
en ella, dexará de dar
espanto
de ver un coraçón anssí
mudado.
No te quiero hablar en
esto tanto
porque se huelga el que
mal á hecho
de ver quel ofendido
bive en llanto.
Tú estás a tu plaçer y
satisfecho:
yo seré de amistad muy
gran tu amiga,
dexando siempre a salvo
mi derecho.
Que no quiero que nadie
vea ni diga
la culpa tuya, ni que
me ás dexado
de amar en verme que te
só enemiga.
Para conmigo quedas disculpado,
porque siempre te tube
por mudable,
aunque a veçes me avías
engañado;
Para mí es el dolor muy
tolerable,
ningún cuidado tengas
de mi pena;
afírmate, no seas
variable,
Que no puede hallarse
cossa buena
con quien haze mudanças
cada día,
dexando natural por cossa agena.
Aquesto que te escrivo
no querría
que te aga penssar que
quedo muerta,
pues más el daño a mí
que a ti ofendía.
Que tú saves muy bien
qu’es cossa çierta
el que va mill amigos
procurando
que jamás amistad no se
le açierta.
Yo te prometo que no
vea llorando
jamás nadie mis hojos
por aquesto,
ni el coraçón por ello
sospirando
Ni la color mudada de
mi gesto
el dolor que ‘ncubrir
el alma suele
hará pareçer claro y
manifiesto.
Está seguro que no me
desvele,
cuidano de saber cómo
te á ido
en este nuevo amor que
aora te duele.
Que mil veçes te ás
visto tan perdido,
jurando que no amaste
ansí en tu bida,
y tú sabes muy bien
dónde se an ido.
Mira que pues mereçe
ser servida,
que lo sepas hazer sin
apartarte,
como heziste de otra
tan querida.
Perdóname que quiero
aconsejarte
en cossa que consejo no
rrequiere
ni seso ni rraçón jamás
es parte.
Que conviene seguir lo
que amor quiere,
digo quando el amor es
verdadero,
que no el amor de quien
por todas muere.
Escrivirte de mí nuevas
no quiero,
que no las querrás ver
de mano mía
ni tampoco de ti yo las
espero.
Dios te dé con quien
amas alegría,
y a tu coraçón dé
contentamiento,
y te guarde de mala
frenessía.
Aunque todas tus penas
lleva el viento,
pues no son más de
quanto estás presente,
qu’en partiendo te
apartas de tormento.
No quiero seguir más
este açidente
ni quiero declarar tus
condiçiones
por no dar qué dezir de
ti a la gente.
Digo que ás menester
mill coraçones
para sufrir el mal que
te procuras
si andas de verdad en
tus passiones
o te án de ser contadas
por locuras.
FRANCISCA
DE ARAGÓN - Cancionero de poesías varias, Ms. 617 de la Biblioteca Real de
Madrid, ed. de J. J. Labrador, C. A. Zorita y R. A. Di Franco, Madrid, Visor,
1994, nº 430, pp. 458-461:
Cancionero
sevillano de Toledo. Manuscrito 506 (fondo Borbón- Lorenzana). Biblioteca de
Castilla-La Mancha, ed. de J. J. Labrador, C. A. Zorita y R. A. Di Franco,
Sevilla: Universidad, 2006, nº 24, pp. 70-71: “Pues aquel gran amor que me
tubiste”
D. Catarina da Áustria, mulher de D. João
III, neta dos reis católicos, cheia de devoção, mas muito atormentada pelas
práticas da inquisição encantara-se com o espirito, e vividez de D. Francisca,
filha do senhor da Quarteira, 5º senhor do Morgado da Quarteira -Nuno Rodrigues
Barreto. Alcaide-mor de Faro e Loulé, fronteiro-mor, e vedor da fazenda de toda
a província, e Filha de D. Leonor de Milan, e bisneta de D. João II rei de
Aragão, a correr-lhe nas veias sangue real espanhol. - É recordada como sobrinha do governador da índia Francisco Barreto
entre 1555-1558, Mesmo que se rejeite a ideia de Teófilo Braga, que sempre
jogou entre a luz e a sombra, mas esta é a informação que dela nos contam.
E com razão ou sem ela, lembram-na familiar de Francisco
Barreto, Governador da Índia entre 1555 e 1558, que de facto era seu tio,
avindo e desavindo de Diogo do Couto, na Década XVI, que diz ter convivido com
D. Francisca após da morte de seu marido. Que só poderia ter sido depois de
1571 A realidade é que o poeta não a esqueceu. Os cronistas: João de Barros,
Castanheda André Resende e D. Leonor Coutinho condessa da Vidigueira, não a
mencionam nos seus documentos a não ser como uma dama de D. Catarina e da Infanta
D. Maria.
Muito estranho que Garcia Resende, quem
mais frequentava a corte, quem fornecia letras de música, o que melhor conhecia
todos os enredos e intrigas das antecâmaras da corte, onde as damas escreviam
os seus diários de memórias, e lhes fez exclamações vagas, como o epigrama de
frente aos seus retractos, de D. Francisca só nos deixa a informação de quera
loura:
Do
crespo ouro que tod’alma prende
Vossa
cabeça rodeada seja
Que era branca e
rosada:
A purpura formosa, a
branca de neve
Que neste rosto amor
tem repartido
Que os seus olhos eram
claros:
Aqueles vaios claros
Dos seus olhos formosos
O sacudir do corpo:
Algum tempo cuidei que
não avia
Nada em vós , nem por
vós que não criasse
N’alma brandura, e só
contentamento.
Vejo agora que mal
s’enganaria
Sem outra cousa de vós
esperasse
Senão tristeza e dôr,
pena e tormento
Garcia Resende que
esteve tao perto dela, e que pouco a cantou em verso, pouca mais nos resta que
uma nota reveladora, a não ser que por entrelinhas insonsas adivinhemos
alternativas do nosso agrado ou de desdém com que ele era acolhido por ela.
Por D Francisca ter sido muito discutida
por Camões e Andrade Caminha a rivalidade entre Camonista e o camareiro do
infante D. Duarte, estavam descritas e cheias de comentários, conjecturas e interpretações
de textos e intrigas literárias palacianas. Andrade enfurecia-se de ciúme com a
preferência a Camões. De olhos desconfiados o mesureiro vate, consagrado pela
fama, via em Andrade Caminha um moço turbulento.
Sabemos que, Camões não passava
despercebido perante a formusura de uma mulher. Deixava-se cativar pelo seu
encanto. Mas a percepção inteligente de D, Francisca soube sempre distinguir tudo
o que se movia à sua volta, como todas as mulheres de instinto seguro que o distinguiu
simplesmente com admiração pelo seu talento, assim como veio a fazer com Ribaldo
frei Ribeiro (chiado) também alcunhado pelo “trinca fortes” que dirigia versos
e cartas e requestava ostensivamente as damas.
Camões, viveu sempre melindrado,
arriscando no terreno galanteios a D. Francisca de Aragão, com os seus
sentimentos “que não andavam a um só remo” por facilmente se deixar cativar
como aconteceu com “Catarina Atalaíde e pela Infanta Maria de Portugal,” que
não surpreende.
Segundo afiança José Maria Rodrigues, -
Luiz Vaz de Camões era um poeta educado na veneração do classicismo, grande
admirador que servia as regras da etiqueta, manejador de hipérboles, e vezeiro
a utilizar a mitologia, e consagrado de fama galanteadora, passou a ser o
centro de atenções das damas da corte pertencentes a mais alta esfera da
nobreza, pavoneando-se a pregoar as suas rimas perante Francisca de Aragão
criando com isso inimizades e ciúmes de outros poetas terem que passar a ser
figuras de segundo plano.
Como era normal, a sua acessibilidade ao
paço real fizeram com que alguns olhos desconfiassem …
Camões não passava despercebido à
formusura de D. Francisca de Aragão, - altiva camareira da Rainha D. Catarina,
que casou com D. João de Borja, e com quem, por certo, Camões se correspondeu.
- Era habitual na época os poetas
elogiarem a beleza notável de uma mulher, por si ou por outro admirador
apaixonado. Com vilancetes, glosas, cantigas, sonetos, epigramas balatas e
sextinas, ressaltavam o enlevo amoroso que os poetas fizeram às suas musas
inspiradoras!
Os actos de espirito e a beleza de D. Francisca
deixou estupefactos os olhares dos poetas e dos cortesãos, incendiou os corações
dos nobres mais ricos, cultos e engenhosos. Inspirou Camões, Andrade caminha, e
o seu “doce Jorge Montemor, que a deixou muito lisonjeada ao evoca-la no seu
canto de Orfeu! – segundo as palavras de Teófilo Braga
- Desta mulher de
celebrada beleza, nenhum testemunho físico nos resta. Mas subsistem vestígios
que são história em si mesmos. De facto, fazem-se ouvir vozes, aqui e ali, que
a mantêm ligada a Camões pela vida fora e que a dão por perto, mesmo quando ele
estanciava na Índia. É no cancioneiro de
Andrade Caminha que se podem ler os únicos elogios a D. Francisca de
Aragão.
Por final, subjugou-se com o prestígio
altaneiro do embaixador D. João Borja, filho do cardeal, são Francesco de Borja,
dos mais conceituados homens ricos de Castela, numa altura em que terminara o
enlace de D. Francisca e D. Duarte, neto de D. Manuel de Portugal.
- Podemos dizer que D. Francisca atravessou
uma das épocas mais curiosas do seculo XVI, em que a historia nos conta
episódios das epopeias de heróis, narrativas de gloriosos, e ecos das seroes palacianas,
joaninos, manuelinos; a maior popularidade da cultura portuguesa nunca
anteriormente alcançada. A obra das
lusíadas de Luís Vaz de Camões está cheia de vozes sobre Francisca de Aragão, o
que faz com que ela seja uma importante ressonância nas memórias camonianas.
A mudança de D. Francisca foi abrupta. A
vida tranquila das paisagens da serra de Monchique, dos figueirais, das
amendoeiras floridas a perfumar as primaveras para a tumultuosa cidade de
lisboa mal cheirosa, que se fazia circular nas galerias, salas e varandas do
Paço. Foi um flagrante contraste entre a simplicidade do viver num palácio
rustico e o fervilhar de gente da corte animada com a sociedade intelectual, de
capitães, navegadores, cronistas, poetas, eclesiásticos, embaixadores e família
real.
D. catarina - na sua época em pleno
renascimento cuidou dos estudos eruditos e das cogitações teológicas e
filosóficas ao lado de sua sobrinha Infanta D. Maria, Luiza Sigea e muitas outras
onde fazia parte D. Francisca de Aragão.
Criou a escola “ fina da galanteria” de
onde saíram “mestres da frívola arte de agradar” com o romantismo a representar
os graciosos dramas de amor com a prodigalidade de alegorias metafisicas, a
servir a passa tempo da aristocracia portuguesa.
As tardes da primavera e de verão
tornaram-se teatros áulicos de aventuras, inventavam-se jogos engenhosos ou
motes glosados com os versos do cancioneiro de Resende, do Sá Miranda e de
Camões
Os
jardins dos palácios, eram autênticos centros intelectuais, como verdadeiras
academias. O palácio do infante D. Duarte, da infanta D. Maria, do duque de
Aveiro, e dos condes do redondo, Vimioso, linhares e sortelha, entremeavam-se
derradeiras representações dos autos de Gil vicente, pecas de Luiz Vaz de
Camões, que alguém chamou com acerto: -escola fina da galanteria.
Consta-se em alguns ditos e tradições que,
as festas portuguesas eram assíduas por gente do outro lado da fronteira como o
conde de Alba, e a filha do duque de Vilahermosa, que deixou o convento onde
professava como freira para se refugiar no centro da aristocracia portuguesa. O
pedido da monarquia espanhola e por seu pai, pressionando a sua expulsão ao rei
D. Sebastião, que pelo que se consta, apaixonou-se pela formosa freira, que a
deu como desaparecida. Pensa-se que viveu com novo nome no meio da sociedade
nobre portuguesa.
O paço real da ribeira, o palácio de Vila
Viçosa, eram centros requintados de luxo e preciosismo que, desabrocharam a “ flor
da graça” a elegância da cultura, que consagrou a beleza pela vivacidade das
suas réplicas e altivez das maneiras, o encanto que o país nunca tinha vivido.
As festas intimam com concertos de música
com instrumentos tangidos pelos melhores músicos, entre eles. Paula Vicente,
acompanhando cantigas vilancetes, éclogas, elegias ou chistes. Pelos mesmos
salões, passavam vários pares de leve a dançarem com o langor arrastado ou com
a graciosa denguice. As refeições eram acompanhadas com espectáculos dos bobos
gracejadores sacudindo as corcundas a desencadear o bom humor dos convidados
sentados à mesa.
Pelo que se consta D. Francisca de
natureza maleável adaptou-se ao meio requintado de forma mimosa com todos os
intervenientes da alta sociedade, tornando-se a dama preferia de D. Catarina.
E, que a descreve: «mulher rígida, e com a disposição de bondade, com o destino
a fazer padecer de muito sangrar com a morte sucessiva dos seus novos filhos.
Quando depois de viúva e senhora do poder, revela firmeza no seu pulso com
qualidades sólidas a governar com a colaboração de Pires de Távora».