Joana da Gama – (Viana
do Alentejo, 1520?- Évora, 1586)
Joanna da Gama. Naceo em
a Villa de Viana do Alentejo de Pays nobres quais erão Manoel Casco, e Filippa
da Gama. Como se visse livre do vinculo conjugal por morte de seu marido com
quem fora casada anno e meyo anhelando a estado mais perfeito fundou na cidade
de Evora hum Recolhimento intitulado do Salvador do Mundo onde recolhida com
algumas companheiras de que erão as principaes Catherina de Aguiar, e Brites
Cordeira observavão a Regra de S. Francisco sendo seus Directores os filhos
d'este grande Patriarcha. Ao tempo, que esperava da benevolencia do Cardial D.
Henrique estabilidade para o novo edificio foy demolido por sua ordem para
mayor extensão do Collegio dos Padres Jesuitas ordenando às Recolhidas fossem
viver em casa de seus parentes até lhe fundar outra habitação. Com excessivo
sentimento deixou Joanna da Gama o lugar, que o seu espirito elegera para se
dedicar a Deos, fallecendo a 21 de Setembro de 1586. Jaz sepultada na Igreja da
Misericordia de Evora em sepultura propria. Compoz.
São poucos os historiadores que se
dignam falar da literatura Joana da Gama, «por consideram uma escritora menor.»
No entanto a sua obra, muito pessoal, surge num período decisivo no que diz
respeito à promoção feminina em Portugal, porque nos Cancioneiros da poesia
medieval não há indício nenhum da existência de mulheres poetizas, e o amor foi
um tema de predilecção.
No fim do século XV as coisas vão mudando e
no primeiro quarto do século XVI, modificaram-se as mentalidades da nobreza e
da plebe mais instruída. As senhoras da nobreza, sobretudo as que frequentam a
corte progridem, em torno
das rainhas D. Leonor, mulher de D. João II, de D. Maria, esposa de D. Manuel
I, e de sua filha mais nova Infanta D. Maria de Portugal- duquesa de Viseu. E,
um grupo de senhoras instruídas da nova geração que pretendem ser iguais aos
homens, e tratam de adquirir uma cultura humanista, chegando a estudar
literatura línguas e artes, e algumas tentam viver da sua pena.
Entretanto o grande impulsionador da
cultura portuguesa, Garcia de Resende (1516), não se sabendo se na cidade
Lisboa ou Évora, nomeia entre cerca de 300 poetas de um Cancioneiro vinte cinco
damas, salvo erro.
1
Joana da Gama, não era uma dama da corte nem uma mulher muito culta.
Provavelmente viveu quase toda a sua vida na "província", em Évora.
Mas teve a sorte de gozar de uma independência excepcional. O facto de ter
vivido em Évora deu-lhe a incidência de uma grande formação. Évora deixara de
ser uma Cidade provinciana, sendo muitas vezes visitada por gente da corte:
Infanta D. Maria de Portugal; Cardeal-Infante D. Henrique que ali residiu
depois de ter sido nomeado arcebispo, apesar de se comportar como um mecenas,
favorecendo a literatura e as artes.
Uma das informações sobre a escritora é,
obviamente um testamento assinado por Joana da Gama, conservado no Arquivo da
Misericórdia de Évora. Tito de Noronha, que editou a obra de Joana da Gama em
1872, indica um manuscrito conservado na Biblioteca de Évora onde é qualificada
como solteira, embora a aprovação do testamento diga que é viúva. Talvez Tito de Noronha não tenha
visto ele próprio os documentos citados, e tenha utilizado uma transcrição
incompleta. Não sendo assim, ele teria falado com certeza duma disposição
particular do testamento, cujo original se perdeu.
O texto que se encontra no Arquivo do Distrito de Évora é uma cópia,
com letra muito cuidada e data de 14 de Abril de 1597. Abre com esta
declaração:
Em nome de Deos Amen. Saibão os que esta
cedola e testamento, e ultima vontade virem como eu Joana da Gama beata por não
fazer profissão e estar sempre na posse de minha fazenda posso testar della e
por não saber a çerteza da hora em que nosso Sñr me querera levar desta vida
prezente sendo moradora nesta çidade de Evora estando sãa e em meu perfeito
juizo e entendimento temendo a morte faço e ordeno esta minha çedola e
testamento nesta maneira seguinte.
A seguir, a testadora organiza as
próprias exéquias, indica os legados que destina aos seus criados, enumera as
herdades que possui e as rendas delas e designa como herdeira universal a sua
sobrinha Isabel da Gama. Também funda uma notável instituição que se tornará
efectiva depois da morte de Isabel: ordena que se pague uma renda vitalícia a
três merceeiras (de mercê), mulheres de 40 a 50 anos, elegidas pela sua piedade
e bons costumes pelos irmãos da Misericórdia – que também serão pagos por tal
missão – a obrigação das merceeiras consiste em ouvir uma missa mensal em que
rezarão pela alma da sua benfeitora. No fim, ela louva a amizade da sua
sobrinha Isabel, encarregada de cumprir as suas últimas vontades.
2
Joana da Gama morreu a 21 de
Setembro. A sobrinha sobreviveu-lhe onze anos. Só então a Santa Casa da
Misericórdia, depois de ter deliberado, aceitou o legado e o cargo de organizar
as Mercearias, e mandou copiar o testamento num livro em que cada merceeira
devia assinar o seu compromisso. A instituição funcionou ao longo de mais de
três séculos: a última merceeira assinou a 5 de Junho de 1908. Quer dizer que a
fortuna de Joana da Gama foi importante, e gerida com sabedoria.
O testamento não diz nada da filiação, da
idade, das actividades literárias da testadora. Morta em 1586, deverá ter nascido
por volta de 1520. É curioso que ela não fale do seu marido. Mas, segundo
Barbosa, só foi casada ano e meio. Designa-se a si própria como
"beata". O que é certo, é que vive em casa própria, não tem filhos,
administra pessoalmente a sua fazenda.
O documento, apesar da linguagem
convencional e das fórmulas oficiais, revela uma personalidade muito firme, que
já se nota na declaração inicial. Se a devoção da "beata" não inspira
a menor dúvida, ela manifesta uma certa ostentação, perceptível nos detalhes
das exéquias, em que irão, por exemplo, doze pobres com tochas acesas. Joana da
Gama é uma senhora habituada a ser obedecida. O seu modelo feminino é definido
pelas virtudes de paciência, obediência e submissão. Barbosa declara que é
filha de pais nobres.
Possivelmente até pertencer à família do
navegador Vasco da Gama, natural do Alentejo. Tal origem familiar poderia
explicar que tenha recebido uma boa educação, mas ignora-se tudo da sua
formação intelectual.
A sua obra dá alguns indícios sobre a sua
formação, em que a música e a leitura desempenharam um papel importante. Essa
obra teve pelo menos duas edições no século XVI, ambas anónimas, ainda que
Barbosa Machado a atribua formalmente a Joana da Gama. Mas nenhuma das duas
edições conhecidas traz autor, lugar, editor, ou data.
Joana da Gama não podia ignorar a
animação da cidade, ouvia falar dos grandes personagens, dos artistas, dos
escritores, dos estudantes e professores que frequentavam a Universidade, fundada
em 1558 e os jesuítas assentes em Évora, a inquisição terá considerado os
poemas Joana da Gama um divertimento indigno de ser impresso ao lado de
reflexões sérias, ou possivelmente registados com nome de homem. Na realidade
são poucos os versos de sua autoria que nos chegaram ao nosso tempo.
Os temas dos aforismos são muito diversos.
Deve ser notada a importância das rúbricas «Amor», «Discriçam», «Molher»,
«Pessoas diversas», «Tempo». A autora manifesta uma liberdade de tom rara na
época. Quanto ao estilo, que neste género de escrita impõe brevidade e
concisão, revela Joana da Gama um real talento de expressão. Ao longo da obra,
o leitor pode ver que a pessoa que se dissimula atrás do nome de «freira» e
pretende não saber mais que o ABC conhece porém alguns princípios da arte de
escrever: revela uma predilecção pelos anacolutos, cortes sintácticos muito
frequentes no discurso oral, mas que utiliza conscientemente e com acerto; tem
o sentido do ritmo, das fórmulas proverbiais muitas vezes ornadas de rimas,
expressa o seu pensamento habilmente, sabe renovar quando necessário um lugar-comum
com uma reflexão que o transforma. Em suma, embora aquela mulher não faça
alarde duma cultura humanista, como os seus contemporâneos masculinos ou as
senhoras da roda da Infanta D. Maria,
ela sabe aproveitar com inteligência uma instrução que, a acreditar no que diz,
foi apenas sumária. De maneira espontânea ou não, escolhe as técnicas que
convêm à sua sensibilidade, e os seus aforismos são muitas vezes cheios de
poesia.
Dor de viver,
melancolia, fugir do tempo: eis os seus temas favoritos, em que não se inclui o
amor, que percorre a poesia lírica dos contemporâneos. A natureza é quase
ausente, salvo num delicado vilancete. Os diálogos, em oito estrofes de oito
versos, são muito interessantes, não apenas porque se inserem na tradição dos
debates poéticos — as tenções medievais ou os desafios dos improvisadores do
paço —, mas sobretudo porque põem em cena abstracções personificadas («Velhice»,
«Razão», «Sentimento», «Razão»), como no teatro medieval ou no de Gil Vicente.
Em conclusão, as tentativas literárias de
Joana da Gama revelam uma sensibilidade deliberadamente feminina, que se afirma
à margem das vias e das modas dirigidas pelos homens do seu tempo. Se a
ausência de mestres a levou a cometer alguns erros de versificação, também lhe
permitiu do mesmo modo conservar uma inspiração fresca e sincera. Uma voz modesta,
sem dúvida, mas que merece ser ouvida.
4
Joana
da Gama (1520? - 1586), nascida em Viana do Alentejo e «moradora nesta Cidade
de Evora» (como consta do seu testamento), embora tivesse publicado sob a
cobertura do anonimato, é a primeira mulher com obra original em língua
portuguesa de que há conhecimento. Os seus Ditos da Freira, reflexões morais
seguidas de Trovas, vilancetes & sonetos, cãtigas & romances, foram
publicados, segundo se crê, em 1555. Saiu uma segunda edição ainda no século
XVI, expurgada porém dos textos em verso.
A escritora, falecida a 21 de Setembro de
1586, geralmente ignorada ou desprezada pelos historiadores da filosofia e da
literatura, tem mais motivos de interesse do que essas desatenções parecem
revelar.
Onde acharei sofrimento
Para vida tão penada?
Não me deixa meu
tormento
Com a dor desesperada;
Tem-me feito tanto dano
Que me tem a alma
chagada;
No meio do coração
Tristeza aposentada;
Não lhe posso fugir,
não,
Que comigo vai pegada;
Têm-me as potências
somadas
Que me não servem de
nada;
Nenhuma cousa de gosto
Em mim pode ter
entrada;
Se alguma hora prazer
vejo
Faz-me ser mais
enojada;
Mil gritos dão meus
sentidos
Quando eu estou calada.
É precisamente num contexto eborense
aparece Dona Joana da Gama, nobre eborense, celebrizada autora dos Ditos da
freira, criou na sua residência um recolhimento da Ordem Terceira de São
Francisco, onde se desenvolve o culto ao Senhor Salvador do Mundo. O Convento
do Salvador do Mundo torna-se no primeiro edifício conventual com este título
pertencente à Ordem Franciscana.
As primeiras instalações do convento
fazem-se em casas dos ascendentes de Dona Joana da Gama, que ficavam no cômoro
do terreiro do Noviciado do Colégio da Companhia de Jesus, as quais tiveram de
abandonar, por determinação do Cardeal-Infante D. Henrique, pois este desejava
construir no local uma igreja da Companhia de Jesus (a igreja do Espírito
Santo), pelo que conseguiu incentivar as religiosas a cederem as casas. O
denominado Salvador Velho é consequentemente demolido, para conceder espaço
envolvente à nova construção, após a expropriação do local por compra pública,
segundo escritura de 22 de Outubro de 1567. A comunidade muda-se
definitivamente, em 11 de Fevereiro de 1604 (1605), com o acompanhamento de
clérigos precedidos do prelado D. Alexandre de Bragança, nomeado no ano de 1602
por Filipe II de Portugal, e do Bispo de Nicomedia, para uma parte do grandioso
palácio dos Martins da Silveira, Paço dos Condes de Sortelha, que a fundadora
Dona Joana da Gama e a segunda abadessa, Soror Catarina Aguiar, conseguiram
adquirir por compra.
Évora, no século XVI e XVII, diocese e
cidade, enriqueceram-se da presença de palácios, de igrejas, de conventos e de
muitas obras de arte, devido à multiplicidade de conventos, à formação de um
requintado círculo de humanistas e artistas e à fundação da universidade.
O testamento não diz nada da filiação, da
idade, das actividades literárias da testadora. Morta em 1586, deverá ter
nascido por volta de 1520. É curioso que ela não fale do seu marido. Mas,
segundo Barbosa, só foi casada ano e meio. Designa-se a si própria como
"beata". O que é certo, é que vive em casa própria, não tem filhos,
administra pessoalmente a sua fazenda.
O documento, apesar da linguagem
convencional e das fórmulas oficiais, revela uma personalidade muito firme, que
já se nota na declaração inicial. Se a devoção da "beata" não inspira
a menor dúvida, ela manifesta uma certa ostentação, perceptível nos detalhes
das exéquias, em que irão, por exemplo, doze pobres com tochas acesas. Joana da
Gama é uma senhora habituada a ser obedecida. O seu modelo feminino é definido
pelas virtudes de paciência, obediência e submissão. Barbosa declara que é
filha de pais nobres.
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