Frei Miguel da Cruz - Inquisidor
De
madrugada ao nascer do sol, saía um fumo espesso dos campos, e um inebriante
mau cheiro vindo do rio tejo a fazer-se sentir entre o incenso dentro das
igrejas.
Os
jardins do palácio da Ribeira eram palmilhadas por aparições, ditas por quem os
podia ver entre as estátuas e bancos de pedra. Referidos pelos rústicos, a
meretriz, o tecelão e o menestrel.
Os
frades rodeavam-se com os fiéis mais íntimos. Grupos de mulheres passavam o seu
tempo em leitura de oração, aliviar os padecimentos da alma e os males do
corpo. O único frade de boa saúde que professava igualmente a profissão de
cozinheiro no mosteiro, de faces coradas do lume do braseiro da cozinha,
limpava as suas mãos trémulas ao avental.
O mosteiro num dos seus cantos recatado com
duas salas , davam apoio aos peregrinos , doentes e a todos que precisassem de
mercês de hospedagem , na cura do corpo amparo das almas.
Os
médicos e os físicos aliviavam os achaques da população com unguentos, xaropes
e clisteres.
Frei
Miguel da Cruz vivia com alucinações dos seus veredictos, actos de fé do
tribunal inquisitorial por si aclamado. Ouvia os gritos dos que por si foram
condenados. Com o corpo debilitado, mal andava a não ser a um desconforme de
ritmo compassado. As Lagrimas corriam-lhe pelos cantos dos olhos com um fio de
baba entre os lábios.
Diziam
os seus companheiros que o frei fora condenado por todos os judeus conversos,
hereges, mouriscos, blasfemos e feiticeiras com a força do demónio a
corroer-lhe o corpo aos poucos, sem que já conseguisse abrir a boca para pedir
perdão.
O
frei ajoelhava-se lajeando o frio da igreja da Sé de Lisboa, com uma cruz entre
os dedos a murmurar palavras entrecortadas!
À
noite ouviam-se as carpideiras a velarem os mortos, entoando as suas ladainhas
em voz baixa. Estas que se dizia fazerem feitiços e encantamento no secreto
sossego da noite.
Desde
que se tornara freire que enchia o peito de ar pondo-se em bicos de pé,
arregalava os olhos na sua altivez com o rosto encarniçado, gritando para lhe
serem solicitados os seus pedidos à divindade. Fraco com um copito de vinho a
mais ou com o sangue vivo no rosto da aguardente de medronho que o anestesiava,
e que ao segundo copo bebia a goles com as suas mãos tremulas, e a balbuciar.
«O
frei morreu tolhido das mãos que lhe tremiam tanto, que nem conseguia levar a
sopa à boca. Morreu sozinho numa tristeza, sujo e roto». Como testemunhou o
camareiro ao seu senhor.
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